Cães e crianças - Parte I
Esta é
uma parceria que tem tudo para dar certo: os cães, pelo próprio sistema de
organização do mundo canino, são naturalmente propensos a proteger e cuidar
das crianças, já que elas são os filhotes humanos. E os filhotes são sempre
protegidos pelos membros de uma matilha. Infelizmente, há muitas histórias
infelizes envolvendo estes dois personagens. Algumas delas são histórias
simples, sem nenhuma gravidade; outras, porém, contam dramas horríveis de
crianças atacadas cruelmente, e muitas vezes mortas, por cães.
É preciso analisar imparcialmente os vários lados desta questão para
poder entendê-la, e tomar providências para evitar problemas.
Vamos começar neste mês uma série de matérias sobre o tema, já que ele
envolve muitos aspectos, e seria impossível abordá-los numa só matéria de
forma profunda.
Neste mês de novembro iremos abordar os pontos referentes à criação de
crianças e cães na mesma casa.
Cães e crianças
na mesma casa
 É
bastante comum que em casas que têm crianças também existam cães. Porém, nem
sempre criar cães e crianças juntos é fácil. O problema se instala pelo fato
de haver uma grande confusão entre as características e necessidades desses
dois filhotes: o humano e o canino.
Mesmo quando temos uma criança crescendo junto com um cão adulto ainda
podemos ver como certos pais não conseguem discriminar estas diferenças.
Percebe-se claramente que tais humanos esperam que seus cães tenham o
discernimento próprio aos humanos, e não vêm que eles agem segundo as regras
e características próprias dos cães.
Vamos analisar alguns desses pontos:
Desenvolvimento
É
bastante difundida a idéia de que cada ano canino corresponde a 7 anos
humanos. Isto, no entanto, não tem qualquer valia se não sabemos de fato o
que isso significa na prática. Na verdade, isto está longe de ser uma
verdade tácita. A maturidade de um cão é atingida em épocas diferentes para
cada raça, dependendo diretamente do porte de cada raça. Cães pequenos e
minis tornam-se adultos por volta dos 12 meses de idade. Já os cães de raças
tamanho grande e gigante demoram muito mais para atingir a idade adulta:
algumas raças só seu pleno desenvolvimento aos 3 anos.
Portanto, enquanto com seu filhote humano você tem uns 20 anos para
educá-lo, com seu filhote canino este tempo é muitíssimo reduzido. E para
que você possa ter um cão adulto equilibrado é preciso colocá-lo na linha o
quanto antes. Você precisa ser um líder claro, e dar limites a ele assim que
ele chega à sua casa. Além do tempo limitado, os cães não têm a nossa
racionalidade. O raciocínio canino tem características completamente
diferentes do nosso. Para educá-lo, você precisa usar uma linguagem que ele
entenda, que é diametralmente diferente da que você usará com seu filho.
Num ponto há uma grande concordância: tanto num caso como no outro é
absolutamente desaconselhável fazer concessões para obter a simpatia. O que
eles precisam é de alguém que zele por eles, mesmo que para isso seja
preciso contrariá-los e impor muitos limites.
Nem
toda mordida é uma agressão!
Este ponto deve ser abordado tanto para o cão adulto como para o filhote.
São inúmeros os proprietários de cães que nos escrevem contando de mordidas
que seus cães deram nas pessoas da casa. Na maioria das vezes, porém estas
mordidas nada têm de agressivas.
Quando estamos tratando de um filhote, é fundamental lembrarmos
que ele brinca com as crianças da casa da mesma forma que brincava com seus
irmãos de ninhada. E as mordidas aí surgem naturalmente, sem nenhum contexto
agressivo. Para piorar este quadro, ainda temos crianças que se deixam ser
mordidas como o “preço” por brincar com o cão. Nem uma coisa, nem outra!
Essas mordidas não devem ser encaradas como sinal de agressividade da parte
do cão, mas nem pr isso devem ser toleradas. É preciso educar este cão a não
morder, e ao mesmo tempo deve-se orientar as crianças a não se deixarem
morder. Muitas vezes essas crianças falam que não se incomodam, mas isso não
deve ser permitido. Toda vez que o filhote morder é preciso pressionar o
dedão sobre a língua dele com bastante força. Esta pressão deve ser feita
assim que ele encosta os dentes nas suas mãos. A idéia é que ele ache que
ter as suas mãos dentro da boca dele seja muito desagradável, e pare com
este hábito. Leia a matéria “ Filhotes - Porque
eles mordem?” que trata
especificamente deste tema.
Outro aspecto que deve ser considerado neste quesito é o fato dos cães
não terem dedos articulados, com isso, sempre que eles querem “pegar”
qualquer coisa, eles usam a boca. Muitas vezes o cão quer puxar a criança
para junto dele, ou mesmo levá-la a outro lugar, e ele usa o único
instrumento que conhece para isso: os dentes. Mais uma vez na há qualquer
agressão aqui.
Falando
de cães adultos, é fundamental falarmos um pouco sobre a organização
da matilha. Em qualquer matilha, todos os adultos são responsáveis pela
educação e proteção dos filhotes. Quando um adulto quer reprimir um filhote
– para que ele pare qualquer comportamento impróprio – ele pressiona seus
dentes sobre o focinho do filhote. Esta pressão é leve, pois a intenção aqui
é conter o filhote, e não machucá-lo. Quando cessa tal comportamento a
mordida também acaba. Da mesma forma, podemos ter nosso cão tentando evitar
que o bebê se exponha ao perigo, ou mesmo que a criança aprenda a lidar com
o cão de forma mais gentil. Não é incomum que as crianças machuquem os cães
quando brincam. Sendo mais desajeitados que os adultos, algumas crianças
abraçam os cães de forma a sufocá-los. Outras ainda pegam-nos no colo –
principalmente no caso de cães pequenos – chegando a machucá-los. Em vários
casos vemos que tais cães já tentaram tudo antes de chegar à mordida, para
se livrar do incômodo. Apesar desta mordida ser – na maioria das vezes –
tomada como uma agressão, ela nada mais é do que o cão educando a criança.
Ele está mostrando a ela que não gosta daquela atitude, e, a menos que a
criança volte a incomodá-lo, ele não a machucará novamente.
É sempre importante lembrarmos que o cão age deste jeito, muitas vezes
também, por estar assustado. Ao se ver sendo amassado no colo, ou ainda
sufocado, ele age pelo instinto.
É preciso
ter muito bom senso nesta hora. O mais comum é tratar o cão como o vilão da
história, mas a coisa não é bem assim! Não se pode rotular o cão como
agressivo pelo fato dele não querer ser machucado. Em linguagem clara, o cão
agressivo machuca muito! Suas mordidas costumam sangrar; bem diferente da
mordida que nem mesmo marca a pele.
Tão importante quando acostumar o cão à presença da criança, é ensinar a
criança a respeitar o cão. Ele não é um brinquedo, e nem um saco de pancada!
Se o cão não gosta de ficar no colo, a criança precisa respeitar isso. SE os
pais não conseguem ter este tipo de atitude, acreditando que a criança deve
ter prioridade em todas as questões, talvez seja o caso de esperar que ela
cresça um pouco mais antes de ter um cão. Crianças mais velhas costuma
entender mais facilmente estas regras, e são menos desajeitadas com os
animais.
Boa sorte!
Maíce Costa Carvalho,
adestradora maice@dogtimes.com.br
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